Morte e Vida Severina - Canto 17

Songs   2024-11-13 22:58:23

Morte e Vida Severina - Canto 17

FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM PRESENTES, ETC

— De sua formosura

já venho dizer:

é um menino magro,

de muito peso não é,

mas tem o peso de homem,

de obra de ventre de mulher.

— De sua formosura

deixai-me que diga:

é uma criança pálida,

é uma criança franzina,

mas tem a marca de homem,

marca de humana oficina.

— Sua formosura

deixai-me que cante:

é um menino guenzo

como todos os desses mangues,

mas a máquina de homem

já bate nele, incessante.

— Sua formosura

eis aqui descrita:

é uma criança pequena,

encrenque e setemesinha,

mas as mãos que criam coisas

nas suas já se adivinha.

— De sua formosura

deixai-me que diga:

é belo como o coqueiro

que vence a areia marinha.

— De sua formosura

deixai-me que diga:

belo como o avelós

contra o Agreste de cinza.

— De sua formosura

deixai-me que diga:

belo como a palmatória

na caatinga sem saliva.

— De sua formosura

deixai-me que diga:

é tão belo como um sim

numa sala negativa.

— É tão belo como a soca

que o canavial multiplica.

— Belo porque é uma porta

abrindo-se em mais saídas.

— Belo como a última onda

que o fim do mar sempre adia.

— É tão belo como as ondas

em sua adição infinita.

— Belo porque tem do novo

a surpresa e a alegria.

— Belo como a coisa nova

na prateleira até então vazia.

— Como qualquer coisa nova

inaugurando o seu dia.

— Ou como o caderno novo

quando a gente o principia.

— E belo porque o novo

todo o velho contagia.

— Belo porque corrompe

com sangue novo a anemia.

— Infecciona a miséria

com vida nova e sadia.

— Com oásis, o deserto,

com ventos, a calmaria.

João Cabral de Melo Neto more
  • country:Brazil
  • Languages:Portuguese
  • Genre:Poetry
  • Official site:http://www.academia.org.br/academicos/joao-cabral-de-melo-neto
  • Wiki:https://pt.wikipedia.org/wiki/João_Cabral_de_Melo_Neto
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